10.6.10

Futuro e Tradição


Amigos do CUCA,
Há tempo vimos ensaiando uma coluna minha nesse espaço criado por vocês com criatividade e princípios de compartilhamento.
Inicio esta caminhada com um dos capítulos do meu livro "Ponto de Cultura - O Brasil de baixo para cima". Com o "Futuro e Tradição" faço uma pequena homenagem e sigo em frente com outros textos que estão por vir.
Abraço,
Célio Turino

...

Minha primeira viagem para fora do estado de São Paulo foi para o congresso de Reconstrução da UNE, em 1979. Era calouro de história na Unicamp, tinha 18 anos. Vivíamos o renascimento do movimento estudantil em meio à retomada das greves operárias e o movimento popular. A ditadura dava sinais de enfraquecimento e Anistia viria em breve. Fomos para Salvador.
Milhares de quilômetros percorridos em ônibus velhos e apertados. Caravanas de estudantes a descobrir o Brasil. No percurso pelo interior, a pobreza, as casas de taipa, o vale do Jequitinhonha, o chão árido, o sertão da Bahia, mulheres vendendo coisas e a si, crianças pedindo comida. No ônibus, o debate de idéias, as teses, as músicas de Chico Buarque, Geraldo Vandré e Mercedes Sosa. Trinta e seis horas olhando o Brasil pela janela de um ônibus.
E enfrentando a repressão.
Logo na saída de São Paulo, barreira policial, homens encapuzados, metralhadoras. No caminho, pregos na estrada, novas barreiras, ameaça de bombas. Em Salvador, a festa. Cinco mil estudantes se reconhecendo e reconhecendo o país. O congresso, as tendências, palavras de ordem, as votações em disputa.
No Centro de Convenções inacabado alguém corta a energia elétrica. Um atentado. Unimo-nos. Em uníssono, o discurso da mesa coordenadora é repetido por milhares vozes. Realizamos o congresso. Reconstruímos a UNE. Voltamos para casa.
Na volta, crianças pedindo comida, mulheres vendendo coisas e a si, o sertão da Bahia, o chão árido, o vale do Jequitinhonha, as casas de taipa, a pobreza. O debate de idéias, as teses, as músicas. Trinta e seis horas olhando o Brasil pela janela de um ônibus.
Sou o que sou por causa de viagens como esta.
Trinta anos depois, a UNE percorre o Brasil em nova caravana. Um outro Brasil. Novas músicas. Novos estudantes, jovens que nem haviam nascido à época da reconstrução. Uma caravana com arte e compromisso com o povo. Muitos dias, muitos pontos, cidades e cantos. Debatendo idéias, formulando teses. Agindo.
Quando vejo os estudantes do CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte) fazendo arte e registrando a vida em seu cine-jornal, me vejo neles. Eles são eu. Eu sou eles.
Mais uma vez, a UNE reúne futuro e tradição.

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