20.6.10

Araçuaí ganhou um presente

Uma notícia está chegando lá do interior
Araçuaí ganhou um presente
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Um cinema
Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil
O único do Vale do Jequitinhonha
Não vai fazer desse lugar um bom país
Uma bela sala, com projeção em 35 mm., som de qualidade e poltronas compradas de um antigo cinema que foi fechado há muitos anos
Uma notícia está chegando lá do Maranhão
O cinema é simples mas muito bonito, pintado com tinta de terra
Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Tudo feito pelos meninos e meninas de Araçuaí
Veio no vento que soprava lá no litoralUm Ponto de Cultura que muito antes desta política pública já era Ponto de Cultura
De Fortaleza, de Recife e de Natal
Trabalho iniciado com Tião Rocha, que deixou a cadeira de professor universitário para fazer educação de um jeito diferente
A boa nova foi ouvida em Belém, Manaus,
Com o Ponto de Partida de Barbacena, os meninos fizeram uma turnê
João Pessoa, Teresina e Aracaju
Ser Tão Gerais
E lá do norte foi descendo pro Brasil central
Com Milton Nascimento
Chegou em Minas já bateu bem lá no sul
Terminada a turnê a divisão do cachê daria R$ 2 mil para cada um, além de recursos para o Centro Cultural que eles mantém em seu vale
Aqui vive um povo que merece mais respeito
Preferiram juntar tudo e dar um presente para sua cidade
Sabe, belo é o povo como é belo todo amor
Um cinema
Aqui vive um povo que é mar e que é rio
Mas o dinheiro era insuficiente
E seu destino é um dia se juntar
Foi quando surgiu o edital para seleção dos primeiros Pontos de Cultura
O Canto mais belo será sempre mais sincero
Era necessário ter dinheiro para a contrapartida
Sabe, tudo quanto é belo será sempre de espantar
Foi o suficiente
Aqui vive um povo que cultiva a qualidade
Em março de 2008 fui ao Vale do Jequitinhonha inaugurar o cinema
Ser mais sábio de quem o quer governar
A cidade toda em festaA novidade é que o Brasil não é só litoral
Foi na praça que apresentaram outro espetáculo, ‘Canto pra Nhá Terra’
É muito mais, é muito mais que qualquer zona sul
Milhares de pessoas foram ver o presente
Tem gente boa espalhada por esse Brasil
Dos meninos e meninas da cidade
Que vai fazer desse lugar um bom país
Araçuaí ganhou um presente.


[a parte em itálico é a canção Notícias do Brasil, de Milton Nascimento e Fernando Brant. A eles, meu agradecimento

10.6.10

Futuro e Tradição


Amigos do CUCA,
Há tempo vimos ensaiando uma coluna minha nesse espaço criado por vocês com criatividade e princípios de compartilhamento.
Inicio esta caminhada com um dos capítulos do meu livro "Ponto de Cultura - O Brasil de baixo para cima". Com o "Futuro e Tradição" faço uma pequena homenagem e sigo em frente com outros textos que estão por vir.
Abraço,
Célio Turino

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Minha primeira viagem para fora do estado de São Paulo foi para o congresso de Reconstrução da UNE, em 1979. Era calouro de história na Unicamp, tinha 18 anos. Vivíamos o renascimento do movimento estudantil em meio à retomada das greves operárias e o movimento popular. A ditadura dava sinais de enfraquecimento e Anistia viria em breve. Fomos para Salvador.
Milhares de quilômetros percorridos em ônibus velhos e apertados. Caravanas de estudantes a descobrir o Brasil. No percurso pelo interior, a pobreza, as casas de taipa, o vale do Jequitinhonha, o chão árido, o sertão da Bahia, mulheres vendendo coisas e a si, crianças pedindo comida. No ônibus, o debate de idéias, as teses, as músicas de Chico Buarque, Geraldo Vandré e Mercedes Sosa. Trinta e seis horas olhando o Brasil pela janela de um ônibus.
E enfrentando a repressão.
Logo na saída de São Paulo, barreira policial, homens encapuzados, metralhadoras. No caminho, pregos na estrada, novas barreiras, ameaça de bombas. Em Salvador, a festa. Cinco mil estudantes se reconhecendo e reconhecendo o país. O congresso, as tendências, palavras de ordem, as votações em disputa.
No Centro de Convenções inacabado alguém corta a energia elétrica. Um atentado. Unimo-nos. Em uníssono, o discurso da mesa coordenadora é repetido por milhares vozes. Realizamos o congresso. Reconstruímos a UNE. Voltamos para casa.
Na volta, crianças pedindo comida, mulheres vendendo coisas e a si, o sertão da Bahia, o chão árido, o vale do Jequitinhonha, as casas de taipa, a pobreza. O debate de idéias, as teses, as músicas. Trinta e seis horas olhando o Brasil pela janela de um ônibus.
Sou o que sou por causa de viagens como esta.
Trinta anos depois, a UNE percorre o Brasil em nova caravana. Um outro Brasil. Novas músicas. Novos estudantes, jovens que nem haviam nascido à época da reconstrução. Uma caravana com arte e compromisso com o povo. Muitos dias, muitos pontos, cidades e cantos. Debatendo idéias, formulando teses. Agindo.
Quando vejo os estudantes do CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte) fazendo arte e registrando a vida em seu cine-jornal, me vejo neles. Eles são eu. Eu sou eles.
Mais uma vez, a UNE reúne futuro e tradição.